Muitos fatos inéditos envolvem a escolha do novo Papa da Igreja Católica, eleito semana passada. Primeiro, ele é sul-americano. Segundo, é jesuíta. Terceiro, escolheu o nome Francisco. Eu tremi ao ouvir suas primeiras palavras no posto, pronunciadas no balcão da basílica de São Pedro. Esse homem de 76 anos é o pastor-mor de uma nação de mais de um bilhão de seguidores, espalhados pelos quatro cantos do mundo. A cidadania de cada um não se deve a uma certidão de nascimento, mas sim a uma decisão pessoal, uma confissão de fé. Que fé é essa? Para o mundo, a fé cristã. Para os católicos, a única e verdadeira fé cristã. Para a grande maioria dos evangélicos, uma aberração, a fachada de uma igreja apóstata.
Entrei na minha página da Facebook e expressei um desejo: que Deus guiasse o novo Papa. Assim como oramos por chefes de Estado, conforme a Bíblia nos orienta a fazer, levantei uma oração por esse homem, que assume um fardo inimaginável. Afinal, o seu jugo não será leve. Terá de lidar com a corrupção da cúria do Vaticano e enfrentar o problema de pedofilia entre sacerdotes.
Claro que fiquei um pouco triste quando disse que, entre as suas primeiras tarefas, ele estaria orando para Maria. Esse é o maior muro que divide as duas tradições — católica e protestante —, pelo menos na prática. Para mim, o muro principal é outro. O muro ao qual me refiro vai muito mais fundo e diz respeito a natureza da fé e da salvação (assunto para outro dia). Mas, em todo caso, no conceito evangélico quase universal, o problema com os católicos reside na idolatria de Maria e dos santos.
Não há dúvida de que temos as nossas idolatrias também. Mas, nessa corrida de idólatras, eles estão 1.500 anos na dianteira. E, embora haja razões históricas que levaram a isto, nada desculpa o que acabou sendo abraçado pela nação Católica Romana no que diz respeito à mãe de Jesus.
Só que Maria não é um palavrão. Nem, tampouco, uma entidade do mal.
Sabemos que nos séculos 5 e 6, o culto à divindade Diana foi incorporado pela Igreja de Roma, numa espécie de acomodação cultural. Com isso, as imagens da deusa foram mescladas à pessoa da mãe de Jesus. Assim como o culto ao Sol foi misturado à celebração do nascimento de Jesus — o que levou à criação da festa de Natal —, esse sincretismo criou muita confusão. O resultado é que essa fusão de paganismo e cristianismo gerou aberrações de doutrina.
E não é só isso. Na briga pela doutrina da divindade de Jesus, Maria recebeu o título de “mãe de Deus” e não “mãe de Jesus”. Como diz o ditado popular, a emenda ficou pior do que o soneto. Ao tentar afirmar a divindade de Jesus, acabaram mesclando a humanidade de Maria com o divino. Ao longo dos séculos, a natureza humana, irremediavelmente idólatra, levou a situação de mal a pior, até que surgiu a doutrina de Maria como “corredentora”. Heresia!
Mas Maria não é culpada de nada disso. A jovem judia se submeteu à vontade do Espírito Santo. De fato ela é “bendita entre as mulheres” (Lc 1.42). As gerações a chamaram, e devem continuar a chamá-la, de “bem-aventurada”, pois o Senhor fez grandes coisas em seu favor.
Não devemos adorá-la. Devemos, no entanto, admirar a mãe do nosso Senhor. Não devemos orar para ela, pois Cristo é o único intercessor entre nós e o Pai. Ele nos ensinou a orar diretamente para a primeira pessoa da Trindade. Não precisamos pedir a intercessão da mãe de Jesus, nem tampouco dos mártires de outrora. Podemos entrar na presença do Pai com ousadia, sem a necessidade de que alguém nos represente, senão aquele que é o caminho, Jesus, e que continua a fazer intercessão perpétua em nosso favor, junto com o Espírito Santo (Rm 8).
Não saúdo Maria. Ela faleceu e está com o seu Senhor. Não saúdo também qualquer outro que já tenha partido desta vida. Mas convém que a tenhamos em grande estima. Sua memória é uma inspiração. Não sou filho de Maria. Sou filho de Deus somente, e isso por causa de Jesus.
Com todas essas ressalvas, ouso dizer: Maria ainda é de todos nós.
Na paz,
+W
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